Assassinato ou Suicídio? — O Mistério da morte de Kurt Cobain

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Eu ainda me lembro de quando assisti pela primeira vez ao clipe "Smells Like Teen Spirit" do Nirvana em um computador Pentium III. Foi amor à primeira vista pelo estilo e pelo som da banda. Pena que já nessa época, ela não existia mais. Pena que o seu vocalista já havia falecido, anos antes.

Foi mais do que apenas uma vida que teve fim em 8 de abril de 1994, foi a voz de uma geração. A morte de Kurt Cobain roubou dos estranhos e alienados o seu porta-voz, e do mundo, um de seus grandes ícones da música.

A notícia de que o vocalista da influente banda de rock grunge Nirvana havia aparentemente se matado com um tiro de espingarda na cabeça reverberou por todo o mundo. Poucas bandas tiveram um efeito tão sísmico na indústria da música, e poucas se encerraram com um final tão chocante.

A notícia foi tão devastadora para alguns fãs que inspirou uma onda de suicídios catastróficos. Outros reagiram com descrença — por que o vocalista de uma das maiores bandas de rock do planeta, idolatrado por milhões de fãs, gostaria de tirar a própria vida?

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O Nirvana foi uma das bandas mais influentes da história do rock / créditos: P.B. Rage

Muitos dos amigos e colegas de Kurt Cobain dizem que não tinham ideia de que ele era suicida, na verdade ele havia sido recentemente curado de um problema crônico no estômago e estava se sentindo mais positivo do que em anos. No entanto, a esposa de Cobain, a colega musicista Courtney Love, parecia não se surpreender com a notícia.

Ela há muito se preocupava com o estado de espírito de Kurt e disse à imprensa que o cantor era suicida. Nos dias antecedentes de seu corpo ser encontrado, Kurt aparentemente desaparecera de um centro de reabilitação de drogas, e uma preocupada Courtney Love contratou um detetive particular, Tom Grant, para tentar encontrá-lo.

Grant nunca encontrou Kurt Cobain. Em 8 de abril, o corpo do cantor foi encontrado por um eletricista chamado para a casa no lago de Kurt em Washington para instalar um sistema de segurança. Ele estava deitado no chão em uma sala acima da garagem, e a espingarda que o matou repousava em seus braços.

Ele tinha apenas 27 anos, o que lhe valeu a dúbia distinção de entrada no infame "Clube dos 27", ao lado de outros músicos famosos como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Robert Johnson, alguns dos muitos que morreram nessa idade.

A Polícia de Seattle declarou precipitadamente a morte como suicídio, antes que as circunstâncias tivessem sido devidamente investigadas. Segundo a polícia, Kurt havia tomado uma overdose maciça de heroína, depois cometeu suicídio atirando na boca com uma espingarda de calibre 20.

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O corpo de Kurt como foi encontrado pela Polícia de Seattle / reprodução: unredacted

Nas proximidades, o que foi rotulado como um bilhete de suicídio foi encontrado em um vaso com um biro vermelho. A nota não menciona suicídio e principalmente lê-se como uma despedida à indústria da música. Na parte inferior da nota, Kurt diz adeus a Courtney e à sua filha Francis Bean, dizendo que elas estariam melhor sem ele.

Mas essa parte foi realmente escrita por Kurt Cobain ou adicionada por outra pessoa? As 4 linhas abaixo do bilhete certamente parecem diferentes do resto dele e parecem ter sido adicionadas mais tarde, —suspeita-se alguns— por um autor diferente.

Que alguém estava ansioso para empurrar a ideia de que a morte se tratava de suicídio era óbvio pelo grande número de histórias falsas que começaram a circular na imprensa. Uma alegação amplamente divulgada era que Kurt havia se barricado na estufa, trancado a porta por dentro e travado com uma cadeira.

Nada disso era verdade, mas dava a esmagadora impressão de que Kurt devia ter cometido suicídio. Mesmo uma frase do bilhete de suicídio, —conhecido apenas pela polícia— surgiu na mídia com Tom Grant e Courtney Love, lendo: "Eu não posso mais viver minha vida assim".

Mas houve um grande problema com essa citação — ela não está no bilhete de Kurt. Parece ter sido fabricada para reforçar a ideia de que o cantor havia se matado. Courtney Love também estava dizendo à imprensa que uma overdose acidental que Kurt teve em Roma no mês anterior havia sido, na verdade, uma tentativa frustrada de suicídio.

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Um bilhete foi encontrado preso a um canteiro de flores perto do corpo / reprodução: unredacted

A essa altura, Tom Grant suspeitara que sua cliente estava deliberadamente plantando as falsas histórias na mídia para tentar manipular a agenda de notícias. Mas por que Courtney estava tão interessada em insistir na ideia de que Kurt Cobain era suicida?

Desde o primeiro encontro com Courtney, antes de o corpo de Kurt ter sido descoberto, Grant achou seu comportamento estranho. Em dezenas de telefonemas entre os dois, os quais Grant gravara, ela repetidamente mentiu para o detetive.

Apesar de se preocupar com seu estado "suicida", Courtney disse a Grant que tinha negócios em Los Angeles durante o período em que Kurt estava desaparecido, o que significava que ela não podia viajar de volta a Seattle para ajudá-lo. Quando Tom Grant mencionou isso para Rosemary Carrol, advogada do showbusiness de Courtney Love, ela disse ao detetive que Courtney "não tinha negócios em Los Angeles!"

Grant também descobriu que Kurt havia deixado Courtney e planejava se divorciar dela. Pelo motivo do casal ter um acordo pré-nupcial, Courtney teria acabado com pouco ou mesmo nada após o divórcio. Mas, com Kurt morto e Courtney como sua viúva, ela herdou uma propriedade que poderia valer centenas de milhões de dólares.

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Histórias falsas surgiram na imprensa em que Kurt teria se entrincheirado na sala e fechado as portas com uma cadeira / reprodução: unredacted

Rosemary Carroll, que conhecia muito bem Kurt Cobain, havia dito a Grant que não só ele não era suicida, mas que o suposto bilhete de suicídio encontrado perto de seu corpo havia sido claramente escrito por outra pessoa. Carrol até apresentou uma folha de papel que se encontrava em posse de Courtney, na qual alguém praticava uma caligrafia muito semelhante à do bilhete.

A essa altura, Tom Grant suspeitava que Courtney Love poderia ter realmente matado Kurt Cobain, uma suspeita reforçada por detalhes vazados do relatório da autópsia. Grant descobriu que a quantidade de heroína que Cobain injetou era tão grande que representava mais de 3 vezes a dose letal, mesmo para os viciados mais hardcores.

Patologistas forenses que discutiram o caso na mídia acreditam que tal dose teria imediatamente deixado Kurt inconsciente, tornando impossível ele ter se matado.

Ficou claro que havia algo errado com o veredicto de suicídio oficial. Alguém poderia ter injetado à força em Kurt uma dose enorme de heroína? E teria outra pessoa puxado o gatilho da espingarda?

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Evidências apontado contra o Suicídio

Não é incomum, depois de um suicídio, que os amigos e familiares da vítima expressem descrença. Os suicidas são frequentemente capazes de disfarçar suas intenções até do mais próximo dos entes queridos.

No entanto, dois fatores lançam dúvidas sobre a ideia de que Kurt Cobain fosse suicida. Longe de ser o depressivo torturado e sombrio da lenda popular, aqueles que o conheciam melhor descrevem o cantor com mais probabilidade de ser uma pessoa brincalhona do que angustiada.

O senso de humor brincalhão e muitas vezes bobo de Kurt é claramente evidente em muitas das entrevistas que ele deu, especialmente nos anos que antecederam a sua morte. Ele frequentemente brincava com o público em seus shows e seus diários eram cheios de piadas e histórias absurdas e extravagantes.

Esse senso de humor também ficou evidente nas canções do Nirvana. Embora conhecido por suas letras obscuras e introspectivas, Kurt sempre dizia que muitas das músicas da banda, incluindo o sombrio "I Hate Myself and Want to Die" (Eu me odeio e quero morrer, em tradução livre) das sessões do In Utero, tinham a intenção de ser uma piada.

Nada disso significa que Kurt não poderia ter cometido suicídio, e há até aqueles que acreditam que ele poderia ter tido transtorno bipolar, o que é considerado um grande alerta de risco para o suicídio. Mas para muitos dos que o conheciam melhor, no ano anterior à sua morte, Kurt Cobain era um homem que parecia mais feliz e mais contente do que há anos.

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Kurt Cobain "babando" sua jovem filha Frances Bean / reprodução: unredacted

Durante seu tempo no Nirvana, a principal fonte de infelicidade para Kurt Cobain não era mental, mas física. Durante anos, ele havia sido atormentado por um problema crônico de estômago que muitas vezes seria tão debilitante que o deixaria enjoado e incapaz de se alimentar adequadamente durante dias a fio.

Kurt passou anos consultando dezenas de médicos na tentativa de diagnosticar o problema. Ele até diria que seu uso de heroína começou em parte como uma tentativa de aliviar a dor causada por seu estômago.

Mas em 1992, os médicos finalmente descobriram o que estava causando a doença. Um nervo vago perto de seu estômago estava comprimido e inflamado devido à escoliose de Cobain. Uma vez devidamente diagnosticado e dada a medicação correta, a vida de Kurt foi transformada.

Em uma entrevista em 1993, o cantor declarou como ele estava finalmente livre da condição debilitante:
Meu estômago não está mais me incomodando. Estou comendo. Eu comi uma pizza enorme na noite passada. Foi tão bom poder fazer isso. E isso só aumenta meu ânimo.
A mudança de humor de Kurt não passou despercebida para aqueles que o cercavam na época. Dylan Carlson, um de seus melhores amigos, declarou mais tarde que “Kurt se tornou uma nova pessoa depois disso. Ele parou de recuar para o lado sombrio com que todo mundo passou a associar a ele e na verdade parecia alegre”.

Kurt afirmaria em várias entrevistas, em 1993 e 1994, o quanto estava feliz e o quanto estava preocupado com sua jovem filha Frances Bean. Seis meses antes de sua morte, ele disse:
Eu não quero deixar para trás minha esposa e filha, então eu não faço coisas que possam comprometer a minha vida. Eu tento fazer o mínimo que posso para prejudicá-la. Eu não quero morrer.
Falando sobre sua filha, Kurt diria em dezembro de 1993 — “Eu não vou dizer uma palavra sobre isso ser difícil; Estou tendo o melhor momento da minha vida!

Poucos dias antes de sua morte, Kurt se juntou a um evento de Perguntas e Respostas online da AOL e deixou uma mensagem para seus fãs, dizendo como estava empolgado em trabalhar em novas músicas:
Espero que vocês estejam prontos para um álbum mais calmo e melancólico. Sim, o Nirvana vai voltar ao estúdio no final do verão. Já estou trabalhando nas novas músicas e ilustrações do novo álbum.
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A esposa de Kurt Cobain, Courtney Love, estava por trás de muitas das histórias de que seu marido era suicida / créditos: Andrzej Liguz

Peter Cleary, outro amigo de Kurt Cobain, de Seattle, acha que os rumores que circulavam na mídia sobre Kurt ser um suicida vinham de Courtney Love. "Toda a conversa só começou quando Courtney surgiu após a morte e disse que Roma foi uma tentativa de suicídio e a mídia enxergou todos os exemplos que ela deu como indícios de que Kurt era suicida", disse ele.

Kurt Cobain teve uma overdose de Rohypnol e álcool durante uma turnê em Roma em março de 1994. Somente após sua morte, apenas um mês depois, Courtney Love alegou que essa foi uma tentativa de suicídio. Tanto Kurt quanto o médico que o tratou acreditavam que a overdose fora na verdade um acidente.

Osvaldo Galletta, médico de Kurt Cobain em Roma, não acredita que tenha sido um suicídio, e nunca foi relatado como tal na época. "Depois que ele acordou, ele me disse que foi um acidente", disse ele. "Geralmente, podemos reconhecer uma tentativa de suicídio... aquilo não parecia uma para mim".

Será que Courtney Love, como o detetive particular Tom Grant especulou, espalhou deliberadamente a história falsa sobre o ocorrido de Roma ser uma tentativa de suicídio para reforçar a ideia de que Kurt era suicida e havia se matado?

O Bilhete

A carta encontrada perto do corpo de Kurt Cobain é muitas vezes retratada como um bilhete de suicídio, embora se excluirmos as últimas linhas suspeitas, não seja lida como um.

No bilhete, aparentemente dirigido aos fãs do Nirvana, Kurt fala longamente de sua insatisfação com a indústria da música. São apenas as últimas linhas do bilhete, escritas em um estilo diferente do resto, que poderiam ser interpretadas como as palavras finais de um homem prestes a terminar sua vida.

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O suposto bilhete de suicídio de Kurt é principalmente uma carta para seus fãs sobre como abandonaria a indústria da música / reprodução: unredacted

Carta traduzida para o portugês:
Para Boddah [1]

Falo como um simplório homem com experiência que obviamente preferia ser uma criança castrada e reclamona. Este bilhete deve ser bastante fácil de entender. Todas as advertências das aulas de Introdução ao Punk Rock ao longo dos anos, desde minha apresentação à, digamos, ética envolvida na independência e o acolhimento de sua comunidade, se provaram verdadeiras. Eu não tenho sentido a excitação de ouvir, bem como criar música, juntamente com a leitura e a escrita, faz muitos anos. Eu me sinto culpado por essas coisas além do que posso expressar em palavras

Por exemplo, quando estamos atrás do palco e as luzes se apagam, e o ruído ensandecido da multidão começa, isso não me afeta do jeito que afetava Freddie Mercury, que parecia amar, se deliciar com o amor e adoração da multidão, que é algo que eu admiro e invejo totalmente. A verdade é que não consigo enganar vocês, nenhum de vocês. Simplesmente não é justo nem com vocês nem comigo. O pior crime que posso imaginar seria enganar as pessoas sendo falso e fingindo como se eu estivesse me divertindo 100%. Às vezes eu sinto como se eu tivesse que bater o cartão de ponto antes de subir ao palco. Eu tentei tudo ao meu alcance para gostar disso (e eu tento, por Deus, acreditem em mim, eu tento, mas não é o suficiente). Eu gosto do fato que eu e nós atingimos e dirvertimos um monte de gente. Devo ser um daqueles narcisistas que só dão valor as coisas quando elas se vão. Sou muito sensível. Preciso ficar um pouco dormente para ter de volta o entusiasmo que eu tinha quando criança.

Nas nossas últimas três turnês, eu tive um apreço muito maior por todas as pessoas que conheci pessoalmente e pelos fãs de nossa música, mas eu ainda não consigo superar a frustração, a culpa e a empatia que eu tenho por todos. Existem coisas boas dentro de todos nós. Eu acho que simplesmente amo demais as pessoas e isso me deixa muito triste. O pequeno, sensível, insatisfeito, pisciano, Jesus triste. “E por que você simplesmente não aproveita?” Eu não sei.

Eu tenho uma deusa como esposa que transpira ambição e empatia e uma filha que me lembra demais como eu costumava ser, cheia de amor e alegria, beijando cada pessoas que ela encontra porque todos são bons e ninguém a fará mal nenhum. E isso me apavora ao ponto de eu mal conseguir funcionar. Eu não posso suportar a idéia de Frances se tornar um triste, autodestrutivo, e mortal roqueiro, como eu virei.

Eu tive muito, muito mesmo, e eu sou grato por isso, mas desde os sete anos, passei a ter ódio de todos os humanos em geral. Apenas porque parece tão fácil para as pessoas que tem empatia se darem bem. Apenas porque eu amo e lamento demais pelas pessoas, eu acho.

Obrigado do fundo do meu ardente e nauseado estômago por suas cartas e preocupação nestes últimos anos. Eu sou um bebê errático e triste! Eu não tenho mais a paixão, e por isso lembre-se, é melhor queimar de vez do que se apagar aos poucos. [2]
Paz, amor, empatia.

Kurt Cobain

Frances e Courtney, eu estarei em seus altares.
Por favor, siga em frente, Courtney, pela Frances.
Pela vida dela, que será muito mais feliz sem mim.
EU AMO VOCÊS, EU AMO VOCÊS!
1 Boddah era o nome de um amigo imaginário que Kurt teve durante sua infância.
2 Referência a verso "It's better to burn out than to fade away" da música Hey Hey, My My (Into The Black) de Neil Young


Em um rabisco com estilo um pouco discrepante, lê-se: "Por favor, continue, Courtney, por Frances, pela vida dela, que será muito mais feliz sem mim. EU AMO VOCÊS, EU AMO VOCÊS!".

Especialistas em caligrafia estão divididos sobre se esta escrita é realmente de Kurt. Contextualmente, no entanto, existem problemas com o bilhete. Kurt se refere ao seu estômago "queimando e nauseante" e fala de seus planos para deixar o negócio da música.

Na época de sua morte, em abril de 1994, nenhuma dessas coisas era verdadeira. Ele já havia se curado de seus problemas estomacais há mais de um ano, e sabemos, por sua mensagem no bate-papo da AOL, que ele estava preparando um novo álbum com o Nirvana, e não planejando deixar o negócio.

Parece que esse bilhete não era contemporâneo à morte de Kurt, mas sim de um ano ou mais antes. Teria alguém roubado uma velha carta que Kurt Cobain havia escrito quando ele estava em decadência e acrescentou algumas linhas na parte inferior para fazer com que parecesse uma carta de suicídio?

Uma peça surpreendente de evidência descoberta pela advogada de Courtney Love, Rosemary Carroll, sugeriu exatamente isso. Descrita como uma "folha de prática de caligrafia", Carrol encontrou o pedaço de papel dentro da mochila de Courtney dois dias antes do corpo de Kurt ser encontrado.

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Uma folha de prática de caligrafia encontrada na bolsa de Courtney Love corresponde à escrita encontrada no bilhete de suicídio de Kurt Cobain / reprodução: unredacted

A escrita que alguém, presumivelmente Courtney, estivera praticando na folha, lembrava a parte inferior duvidosa do chamado bilhete de suicídio de Kurt Cobain. A suspeita óbvia era de que a própria Courtney havia escrito essa parte do bilhete e tentado imitar a caligrafia de Kurt.

Se assim fosse, não seria a primeira vez que Courtney Love falsificou a caligrafia de Kurt. No ano anterior, ela havia escrito uma carta para o baixista do Nirvana, Krist Novoselic, como se fosse Kurt, dizendo a seus colegas de banda que ele estava deixando a banda.

Se Courtney de fato forjou o bilhete de suicídio de Kurt Cobain, é difícil encontrar um motivo benigno para ela ter feito isso. Teria ela, ou outra pessoa agindo em seu nome, realmente atirado em Kurt e depois falsificado o bilhete para fazer com que parecesse um suicídio?

Não foi apenas o bilhete de suicídio suspeito que sugeriu que esta é uma possibilidade muito real. Alguns patologistas forenses que estudaram o caso acreditam que a quantidade de heroína no corpo do músico era tão grande que ele não teria sido fisicamente capaz de se matar.

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Heroína

De acordo com a história oficial, Kurt Cobain injetou uma dose fatal de heroína de alcatrão, guardou sua parafernália de drogas, pegou sua espingarda, posicionou-a na boca e puxou o gatilho.

A quantidade de heroína encontrada na corrente sanguínea de Kurt era, por qualquer padrão, absolutamente surpreendente. A concentração de morfina no seu sangue era de 1,52mg por litro, o que representa mais de 3 vezes a dose fatal até mesmo para os viciados mais insanos. O efeito teria sido ainda mais exacerbado devido ao seu baixo peso corporal e o Diazepam em seu sistema nervoso.

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O kit de heroína de Kurt Cobain foi encontrado fechado quando seu corpo foi encontrado

O legista do condado de King, que processou o caso de Kurt Cobain, ficou chocado com os números. Eles representaram a mais alta overdose de heroína já registrada na história do condado. Poderia ele realmente ter removido seu torniquete, guardado seu kit de drogas e, em seguida, pegado uma espingarda e atirado em si mesmo depois de ter administrado uma overdose tão grande?

O químico canadense Roger Lewis reuniu dezenas de estudos toxicológicos sobre overdoses de drogas para tentar encontrar casos comparáveis. Das 1526 mortes por heroína que ele encontrou, apenas 26 tinham níveis de droga tão altos quanto Kurt e todos eles morreram instantaneamente ou ficaram imediatamente incapacitados, geralmente encontrados com a seringa ainda em seus corpos.

Em 2014, a Polícia de Seattle confirmou que Kurt Cobain de fato tinha tomado uma enorme overdose letal, mas argumentou que seus níveis de tolerância eram tão altos e que ele conseguiu permanecer consciente por tempo suficiente para atirar em si mesmo. Se for verdade, isso tornaria o caso de Kurt praticamente único na literatura médica.

No entanto, aceita-se que os níveis de tolerância entre os toxicodependentes não são particularmente bem compreendidos, por isso é difícil fazer afirmações definitivas de uma forma ou de outra sobre quanto tempo Kurt poderia ter permanecido consciente. Um problema mais fundamental é a relação entre overdoses de heroína e o suicídio em si.

"Nenhum estudo que conheço correlacionou o uso de heroína com suicídio", disse Vincent DiMaio, um dos patologistas forenses mais experientes da América. O Dr. Cyril Wecht, ex-presidente da Academia Americana de Ciência Forense, que estuda o caso Cobain há 20 anos, concorda que essa forma de suicídio é altamente incomum.

"Não consigo pensar em um caso em que alguém tenha se injetado com uma grande quantidade de heroína e depois se matasse, simplesmente não faz sentido", disse ele. "Por que ele se mataria antes que a droga tivesse chance de fazer efeito?"

O ponto que Wecht está levantando é o cerne de todo o caso. Mesmo se Kurt tivesse permanecido consciente depois de tomar a maior overdose da história do Condado de King, ele estaria experimentando ou antecipando uma enorme "viagem". Parece profundamente improvável que de todos os momentos ele escolheria esse para se matar.

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A polícia de Seattle imediatamente saltou para a conclusão de que a morte de Kurt fora por suicídio / reprodução: unredacted

Roger Lewis, cujo estudo de relatórios de toxicologia demonstrou a improbabilidade de que Kurt poderia ter permanecido consciente por tempo suficiente para atirar em si mesmo, também analisou centenas de casos de suicídios violentos.

Como Wecht e DiMaio sugeriram, não havia um único exemplo em qualquer lugar na literatura de alguém tomando uma grande dose de heroína, e em seguida, atirando em si próprio. A preponderância de evidências sugere que, para todos os efeitos, esse cenário simplesmente não ocorre.

Muitos acreditam que a Polícia de Seattle agiu com indevida pressa em rotular a cena do crime de Kurt como um suicídio, e que seu veredito inicial obscureceu seu julgamento e os impediu de investigar apropriadamente os cenários alternativos.

De acordo com Vernon J. Geberth, um Tenente-Comandante aposentado do Departamento de Polícia de Nova York, isso não é incomum. Geberth escreveu uma apostila padrão sobre o protocolo da cena do crime e cita dezenas de exemplos de assassinatos que foram mascarados como suicídios e não foram detectados devido ao trabalho policial preguiçoso.

“Eu pessoalmente investiguei muitos desses casos e a verdade é que inicialmente; os casos pareciam suicídios”, afirmou. “O investigador não pode assumir nada como um oficial da lei”, mas, ele disse:
Sem dúvida, os investigadores pegam atalhos quando ouvem a palavra suicídio.

Localização da cápsula

Quando o corpo de Kurt Cobain foi encontrado, ele estava deitado no chão da estufa com uma espingarda sobre ele. A espingarda estava de cabeça para baixo e a mão esquerda de kurt agarrava o cano.

Como Kurt foi encontrado segurando a arma em uma posição invertida, a câmara de saída da cápsula apontava para o seu lado direito. A cápsula da munição que o matou foi, no entanto, encontrada do lado esquerdo do corpo de Kurt.

Teria a espingarda sido descuidadamente colocada na mão de Kurt Cobain depois de sua morte para fazer parecer com que ele mesmo tenha puxado o gatilho? A Polícia de Seattle explicou a discrepância, sugerindo que o recuo da espingarda fez com que ela girasse 180 graus após Kurt atirar, mas isso parece questionável.

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A munição da espingarda Remington foi encontrada perto do pé de Kurt, e a cápsula da bala fatal à sua esquerda / reprodução: unredacted

Kurt tinha deliberadamente comprado uma espingarda calibre 20 de baixa potência para agir como uma segurança contra intrusos, em vez de matar alguém. A espingarda é conhecida por ter um recuo muito baixo, e na verdade era tão fraca que, mesmo que tenha atirado em sua boca, a bala não saiu de sua cabeça.

Nikolas Hartshorne, que realizou a autópsia de Kurt Cobain, acredita que a mão esquerda do músico segurava firmemente o cano por causa do fenômeno chamado de "Espasmo Cadavérico", que causa instantaneamente rigor mortis no momento da morte. Isso indica que a arma provavelmente foi encontrada na mesma posição em que foi disparada.

Embora isso apóie o veredicto de suicídio, pode igualmente indicar que alguém tenha colocado a arma na mão de Kurt e a tenha disparado da mesma posição em que foi encontrada. Tal cenário também pode explicar a localização incongruente da cápsula da espingarda.

É possível que o projétil tenha sido ejetado para a direita, mas desviado de algum objeto, fazendo com que ele caísse para a esquerda do corpo de Kurt Cobain. Enquanto não houvesse nada na cena do crime que poderia ter feito isso, a possível presença de uma ou mais pessoas ao redor do corpo de Kurt quando a arma foi disparada poderia ter causado a deflexão.

Dramatização da cena da morte de Kurt Cobain em "Soaked in Bleach" / cortesia: bonnie stauch

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O Risco de suicídio

Embora muitas das evidências que indiquem que Kurt Cobain tenha cometido suicídio tenham sido contaminadas pela manipulação da mídia por parte de Courtney Love, ainda há um argumento a ser feito de que o cantor estava sob alto risco de se matar.

O primo de Kurt, Bev Cobain, afirmou que a estrela tinha síndrome bipolar, um tipo de depressão clínica caracterizada por mudanças extremas de humor. Está bem documentado que, ao lado de suas explosões de energia criativa e emocional, Kurt teria períodos em que seria letárgico e retirado, ambos indicadores-chave da desordem.

Dr. Kay Redfield Jamison, um dos principais especialistas em síndrome bipolar, cita Kurt Cobain em seu estudo de 2004, "Cultural Legends with Mental Illnesses" (Lendas culturais com doenças mentais, em tradução livre) cita que muitas das letras do Nirvana contêm referências óbvias à depressão. A canção Lithium, musicalmente e liricamente, parece ser sobre a síndrome bipolar, e o lítio em si é uma das principais drogas para o tratamento da doença.

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A pulseira hospitalar do centro de reabilitação de drogas ainda estava no pulso de Kurt Cobain quando ele foi encontrado / reprodução: unredacted

A síndrome bipolar é considerada um importante fator de risco para o suicídio, especialmente quando combinada com o abuso de álcool e drogas. Estudos mostraram que 25% a 50% dos pacientes bipolares tentam o suicídio pelo menos uma vez na vida e há indícios, mesmo descontando o caso da overdose de Roma, que Kurt havia tentado se matar antes.

Em uma fita gravada em 1988, Kurt descreve uma tentativa inicial de suicídio:
Eu caminhei até os trilhos do trem e coloquei dois pedaços grandes de cimento em meu peito e pernas e esperei o trem das 11 horas. E o trem chegou mais perto e cada vez mais perto. E foi para o trilho do meu lado, em vez de passar sobre mim.
Existe também o histórico de doença mental e suicídio na família de Kurt. Dois de seus tios se mataram e seu bisavô se esfaqueou na frente da avó de Kurt. O próprio Kurt teve um encontro direto com o suicídio quando criança, quando ele e seus amigos encontraram um colega de classe que se enforcou fora de sua escola.

Kurt costumava falar sobre seus sentimentos sombrios e niilistas quando era adolescente, e o suicídio, em particular, parecia ocupá-lo. Essas obsessões continuariam na idade adulta, embora ele muitas vezes as descartasse como piadas.

Mesmo depois de alcançar a fama, a riqueza e a adulação com o Nirvana, muitos dos que conheciam Kurt o descrevem como um homem profundamente perturbado, atormentado por sentimentos de inadequação, alienação e ansiedade. Curiosamente, aqueles que passaram mais tempo com ele do que qualquer outra pessoa nos anos anteriores à sua morte, —seus companheiros do Nirvana— todos acreditam que ele cometeu suicídio.

Krist Novoselic, baixista do Nirvana, lembrou ter visto Kurt dias antes de sua morte.
Ele estava muito quieto. Ele estava simplesmente afastado de todos os seus relacionamentos. Ele não estava se conectando com ninguém.
Novoselic ficou particularmente perturbado com o estado mental de Kurt Cobain e com a dependência das drogas na época:
Ele só queria ser fodido no esquecimento. Não havia como falar com ele. Ele queria fugir. Ele queria morrer, era isso que ele ia fazer.
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Após a morte de Kurt Cobain, um banco do parque perto de sua casa em Seattle se tornou um memorial não oficial para os fãs de luto / créditos: Joe Mabel

Brett Morgan, diretor do recente documentário de Kurt Cobain, "Montage of Heck", acha que o músico se matou por causa do colapso de seu relacionamento com Courtney Love. "Ele achava que sua esposa o traía e ela e Frances eram tudo o que ele tinha", disse ele. “E então, quando isso foi despedaçado em sua mente, houve essa sensação de humilhação. Kurt Cobain morreu de coração partido”.

Apesar dos problemas óbvios com o caso, Kurt Cobain possuía muitos dos sinais clássicos de risco para o suicídio — ele tinha síndrome bipolar, estava no meio de um rompimento, era viciado em drogas e tinha um histórico familiar de doença mental. Não é de surpreender que muitos de seus amigos mais chegados acreditem que ele provavelmente se matou naquele dia sombrio em abril de 1994.

"É melhor queimar de uma vez do que se apagar aos poucos". Se essas palavras, escritas no bilhete encontrado perto do corpo de Kurt Cobain, se referiam ao seu desejo de deixar a indústria musical, ou seu desejo de deixar o mundo completamente, talvez nunca saberemos.

Como os outros membros do clube dos 27, a lenda de Kurt Cobain está marcada na história. Seu legado musical estará para sempre imaculado pelo tempo implavácel, nunca se esvaindo. Se foi ou não assassinato, com seu histórico, com certeza Kurt seria a vítima perfeita.


Kurt Cobain, imagem/divulgação. Editado por Nando Bonvento
Época, The Unredacted