Croatoan, o mistério de Roanoke

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Zona 33
O mistério de Roanoke e dos colonos desaparecidos desafia historiadores há quase 500 anos. O que teria acontecido com centenas de pessoas que simplesmente sumiram da face da terra sem deixar vestígios na primeira colônia inglesa no Novo Mundo?
Doença? Ataque de nativos hostis? Uma fuga desesperada? Ou teria sido algo mais sinistro e inexplicável?
Roanoke é um mistério que talvez jamais seja desvendado, mas existem conjecturas e os estudiosos continuam em busca de uma explicação convincente que ajude a solucionar esse enigma. Paralelamente aos fatos científicos explorados, crendices e superstições reivindicavam seu lugar como responsáveis pelo destino da colônia inglesa.

Em 1585, 117 colonos aportaram no nordeste norte-americano (atual estado de Carolina do Norte) para ali estabelecer a primeira colônia inglesa no Novo Mundo. Poucos anos depois, em 1587, uma outra expedição enviada ao local deparou-se com um mistério: A colônia  — e todos os seus habitantes, tinha simplesmente desaparecido.

A fundação de Roanoke é bem conhecida e está bem detalhada em fatos e documentos históricos. Em 1584 o aventureiro britânico Sir Walter Raleigh (1552-1618) recebeu uma concessão territorial da Rainha Elizabeth I (1533-1603). A missão de Raleigh era estabelecer o primeiro povoado europeu na Colônia americana da Virgínia e iniciar o processo de ocupação das terras no Novo Mundo.

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Raleigh explorou a região e navegou a costa da Carolina do Norte em 1585, em busca de um local onde os colonos pudessem se estabelecer. Ele escolheu a Ilha de Roanoke pela sua localização estratégica, e estabeleceu que aquele era o local ideal para a construção do assentamento.

No ano seguinte, dois navios ancoraram na costa com a primeira expedição. Composta de soldados veteranos e liderada por Sir Richard Grenville, um brutal comandante que lutara na Irlanda, o grupo se embrenhou na mata (apenas como curiosidade, Grenville é um dos companheiros de viagem do personagem fictício Solomon Kane).

Sir Walter Raleigh foi um dos mais famosos aventureiros de sua época, um dos corsários britânicos que pilhava os navios do Spanish Main, a rota de preciosidades obtidas pelos espanhóis na América. Entre suas realizações está a exploração do Rio Amazonas.

O primeiro passo da iniciativa foi enviar uma equipe exploratória para escolher um lugar apropriado. Esta missão foi liderada por Philiph Amadas e Arthur Barlowe, que escolheram os Outer Banks, uma faixa de ilhas que formam uma barreira ao largo da costa da Carolina do Norte, na costa leste dos Estados Unidos.
Acreditavam que ali era um local estratégico para a defesa do assentamento contra possíveis ataques dos concorrentes espanhóis. A região, abrigando a grande bacia hidrográfica de Roanoke, que também é o nome de uma das ilhas do arquipélago de Outer Banks, era habitada por oito grupos de nativos entre os quais, neste caso, destacam-se os Secotans e os Croatoans (igualmente, nome de uma ilha).

Os homens exploraram o interior da ilha e estabeleceram um contato à princípio cordial com os nativos que habitavam o local. Começaram a derrubar árvores e a construir um forte na praia. Mas logo as dificuldades começaram a se multiplicar: a falta de comida, doenças tropicais e um sentimento de hostilidade para com os nativos levou os colonos ao desespero. Grenville ordenou que os nativos entregassem sua comida e quando estes se negaram, mandou os homens saquearem e atearem fogo à aldeia deles. Apesar das grandes dificuldades, a construção do forte foi concluída.

Barlowe retornou à Inglaterra levando dois indígenas, Manteo e Wanchese, que foram capazes de descrever a geografia da área e a política dos povos nativos. Uma segunda viagem foi, então, organizada.

A primeira expedição colonizadora

Capitaneada por Sir Richard Grenville, reunindo, como colonos, apenas homens, pouco mais de uma centena, muitos, experientes combatentes de guerra, essa expedição saiu de Plymouth em 09 de abril de 1585 com uma pequena frota de cinco navios: o Tiger, o Red Lion, o Elizabeth, o Dorothy e o Roebuck. Na costa de Portugal o Tiger, justamente o que levava à bordo R. Grenville, perdeu-se dos outros, apanhado por uma forte tempestade.

Mas havia um plano: caso ocorresse um incidente como aquele. Se fossem separados, os navios deveriam reencontrar-se em Porto Rico. E para dirigir-se onde o Tiger chegou, na Baía de Muskito (Guayanilla Bay), em 11 de maio, onde, enquanto aguardava as outras naus, Grenville chegou a construir um forte.
Porém, Grenville partiu logo, menos de um mês depois, rumo ao destino final, abandonando o forte, cuja localização perdeu-se com o tempo. Em julho, quatro dos navios da frota reuniram-se e chegaram a Outer Banks: Tiger, Dorothy Elizabeth e Roebuck. O Red Lion foi tomado por corsários, salvando-se apenas a tripulação.

Inicialmente, os pioneiros exploraram a costa continental e fizeram contato com indígenas locais da aldeia de Aquascogoc com os quais ocorreu um lamentável incidente.


Uma taça de prata

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Nativos norte-americanos dançam durante uma cerimônia religiosa. A pintura é de Jonh White, que navegou até o Novo Mundo em busca de uma resposta para o desaparecimento da colônia. White esteve lá, em vão, duas vezes, em 1587 e em 1590.

Os índios foram acusados de roubar uma taça de prata. Em retaliação desproporcional, os ingleses saquearam e incendiaram a aldeia. Este episódio foi registrado pelo escritor, geógrafo e historiados inglês Richard Hakluyt, com base em relato dos viajantes daquela expedição que retornaram ao reino.

Finalmente, Grenville resolveu estabelecer a colônia na extremidade norte da pequena ilha Roanoke, onde desembarcaram os colonos em 17 de agosto de 1585. Ali, Ralph Lane (1530-1603) e mais 107 homens, integrantes da expedição, construíram um forte e fizeram incursões de reconhecimento na região.
Grenville foi embora prometendo voltar no ano seguinte. Em abril de 1586 os colonos esperavam por Grenville que não retornou. Em junho daquele ano, o assentamento foi atacado pelos índios, revoltados com a destruição da aldeia Aquascogoc. Os colonos conseguiram repelir o assalto.


O Mistério começa

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Pouco depois, receberam a visita do famoso navegante e corsário autorizado pela coroa inglesa, Sir Francis Drake (1540-1596), que ali fez uma parada que vinha de uma bem sucedida incursão no Caribe. A essa altura, faltava tudo na nova colônia, alimentos e outros gêneros de primeira necessidade.

A chegada de Drake foi um alívio. Quando chegou a hora de partir, o corsário ofereceu levar alguns homens consigo de volta à Inglaterra, e alguns assim fizeram. Neste retorno, introduziram no Velho Mundo alguns produtos típicos da América do Norte que se tornaram bens de consumo cobiçados pelos europeus: tabaco, milho e batatas.

Drake e sua tripulação foram, ao que se sabe, os últimos europeus a verem os colonos e pisarem na colônia. Pouco depois de sua partida, Greenville chegou com seus homens porém, nada encontraram.

A colônia de Roanoke e toda a sua população tinham desaparecido e as instalações do forte, estavam em ruínas. Restava a Grenville retornar à Inglaterra. Porém, apesar do estranho desaparecimento, para que o empreendedor Raleigh não perdesse a concessão de exploração do território, foram deixados na ilha, no lugar onde o assentamento inicial fora estabelecido, 15 homens que, desta forma, asseguravam a condição de uma colonização em curso no local.


Mais mistério

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Mapa mostrando a costa da Virgínia junto aos Outer Banks, com os territórios nativos de Secotan e Weapemeoc no continente, e a comunidade de Roanoake, numa ilha na foz de um rio. John White, 1590.


1587 — Obstinado, Sir Walter Raleight mandou outro grupo de colonos. Eram 150 pessoas. Desta vez, o objetivo era erigir uma colônia na Baía de Chesapeake. Eram liderados por John White (1540-1593), amigo de Raleight que já tinha ido a Roanoke nas expedições anteriores.
A missão de White ia além de fundar um assentamento; a ideia de Raleight era fundar uma cidade, Raleight City. White seria o governador e contava com 12 assistentes para fazer seu trabalho.

Sua primeira parada seria, mais uma vez, em Roanoke, para resgatar os homens que Greenville havia deixado lá. Chegaram em 22 de julho (1587) porém, novamente, nada encontraram. Ninguém. Apenas um esqueleto... e nenhuma pista. Nenhum sinal do quê poderia ter acontecido.
O comandante da frota, Simon Fernandez, recusou aos colonos permissão para voltar aos navios e, ainda, contrariando o plano inicial de estabelecerem-se em Chesapeake, confrontando a autoridade de White, por motivos hoje desconhecidos, insistiu e conseguiu que todos permanecessem em Roanoke.

White ainda obteve um acordo de paz com os índios Croatoans, mas outras tribos hostilizaram os recém-chegados. Algum tempo depois, um dos colonos, George Howe, apareceu morto em Albermarle. Tinha ido sozinho capturar caranguejos.

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Roanoke é uma ilha pantanosa e úmida, sujeita a cheias e tempestades. Durante os meses de verão, mosquitos infestavam a ilha e doenças se alastravam entre os colonos. Roanoke era comparada a um inferno e de fato, os colonos não estavam longe dessa descrição.


Os ingleses começaram a temer por suas vidas e convenceram o governador White a retornar à Inglaterra e pedir ajuda. Lá ficaram cerca de 115 pessoas, inclusive Virgínia Dare, um bebê, neta de White, a primeira criança inglesa nascida no Novo Mundo.
Nesta época, a Inglaterra travava uma guerra marítima com a Espanha. A principal razão era, justamente, a soberania sobre as terras do Novo Mundo. Isso atrasou bastante tanto o retorno de White à Inglaterra e, mais ainda, sua volta à colônia.
Enfim, White desembarcou em Roanoke em 18 de agosto de 1590. Sua neta devia estar completando 3 anos de idade. Perplexos, White a tripulação e os novos colonos que vinham com ele, encontraram o local completamente deserto.

Não havia nenhum vestígio de luta ou batalha. Casas e fortificações (paliçadas) não estavam destruídos, apenas decadentes, desmantelados pelas intempéries climáticas. Muitos objetos, inclusive artefatos de metal estavam lá, abandonados, cobertos pela vegetação. Os 90 homens, 17 mulheres e 11 crianças tinham, simplesmente, desaparecido; mais uma vez. Entre eles, Virgínia Dare, a neta de White.

Por causa dos eventos anteriores, White tinha deixado uma instrução. Em caso de alguma adversidade, os assentados deveriam gravar uma Cruz de Malta em alguma árvore ou parede, o que indicaria uma saída forçada ou ataque de indígenas. Nenhuma cruz foi achada.


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Croatoan. Um sinal, nenhuma explicação.

Todavia, White encontrou o que achou algo que poderia ser uma pista, mas apesar das investigações possíveis, não se chegou a nenhuma conclusão que pudesse esclarecer o destino de todas aquelas pessoas. Entalhada em um poste da colônia estava escrita a palavra Croatoan e em uma árvore próxima, somente as iniciais "Cro"...
Isso levou o governador (de lugar nenhum) a pensar que seus conterrâneos tinham sido levados para a ilha de Croatoan (atualmente Hatteras Island, nome derivado da nação indígena Hattera) mas não contou com voluntários para realizar qualquer busca.

Primeiro, foi impedido por uma forte tempestade que se abateu na região; depois, seus homens, assustados, recusaram acompanhá-lo e, no dia seguinte, os ingleses foram embora. O mistério permaneceu sem resposta para sempre. Com o tempo, até a localização exata da colônia de Roanoke perdeu-se e até pouco tempo, ninguém sequer poderia dizer onde ficava o assentamento.


Hipóteses

O destino dos colonos de Roanoke permanece sendo um mistério e, embora existam algumas hipóteses sobre o quê pode ter acontecido. Nenhuma delas explica o completo desaparecimento daquelas pessoas, não apenas em uma ocasião, mas em três situações diferentes. Os colonos da primeira expedição; os 15 homens deixados por Grenville quando deparou-se com o desaparecimento dos primeiros assentados e, finalmente, o sumiço daqueles que foram para lá conduzidos por John White.

A hipótese mais aceita pelos estudioso é de uma absorção dos colonos por uma tribo local, possivelmente, os Croatoans (que, na verdade, chamavam a si mesmos de Tuscaroras; os ingleses chamavam-nos de croatoans).
Essa absorção poderia ter acontecido de duas formas: os colonos foram atacados, mortos e capturados pelos índios; ou, os colonos, sentindo-se abandonados e passando por sérias privações, teriam, voluntariamente procurado abrigo junto às aldeias ou aceito um generoso acolhimento por parte do nativos.
Ainda assim essa teoria possui falhas, pois é estranho que nenhuma indicação significativa tenha sido deixada pelos desaparecidos, em qualquer caso, é igualmente estranha é ausência de qualquer vestígio esclarecedor nas três situações de desaparecimento.


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Em The Lost Colony, Fact and Legend, os autores Frank Roy Johnson, Thomas C. Parramore, reproduzem um mapa desenhado por um certo Francis Nelson, em 1607. É o chamado Mapa Zuniga (ao lado) onde existe uma anotação que informa a presença de quatro homens vestidos com roupas de colonos (de Roanoke) em Pakeriukinick, uma povoação de iroqueses (Iroquois).

O mesmo livro refere-se a comentários que circulavam em Londres, em 1609, sobre ingleses vivendo sob a tutela de um chefe índio, Gepanocan. Este cacique estaria mantendo sob sua proteção ou mesmo em cativeiro os quatro homens e, ainda, dois garotos e uma donzela.





As Lendas

O estranho desaparecimento e a palavra Croatoan deram origem à muitas e muitas lendas. No imaginário norte-americano eles foram todos abduzidos ou levados por alguma coisa e com certeza seria uma coisa maligna. Durante o tempo em que eles permaneceram no lugar (antes de John White partir), diz no livro que é constituído por parte da transcrição de White, escrito por Richard Hakluyt, que eles ouviram muitas coisas estranhas. Durante a noite, vozes, gritos e seres estranhos pareciam circular a colônia, no meio da escuridão. Alguns trechos dos diários contam histórias, no mínimo fantásticas sobre períodos em que eles tinham que ficar recolhidos em um aposento das suas residências rezando para que “aquilo” fossem embora e os deixassem em paz. Na Carolina do Norte essa lenda dura até hoje.
A hipótese mais sombria sobre os misteriosos desaparecimentos é de que o culpado tenha sido um dos Demônios mais temidos pelos Indígenas da região, o demônio da morte, doença e praga. Contam que os nativos sequer se aproximavam do lugar da construção da colônia por medo da entidade. Segundo as descrições, esse demônio, vivia na escuridão, espreitando os nativos e quem mais se aproximasse do local. Eram comuns sacrifícios à esse demônio, para que ele se mantivesse longe das tribos, deixando os índios em paz.
Quando as luzes não podiam alcança-lo, ele raptava aqueles que adentravam na escuridão e os levava para o seu reino.

Essas são as lendas sinistras que rondam o mistério da colônia de Roanoke, e engana-se caso pense que esse seja um caso isolado. Desaparecimentos em massa de povoados e colônias são registrados em vários locais do mundo e períodos históricos. Em 1971 um grupo de hippies desapareceu misteriosamente enquanto acampavam em Stonehenge, e em 1930 uma comunidade de esquimó, que ficava perto do Lago Anjikuni, desapareceu misteriosamente — inclusive os corpos do cemitério. Detalhe que haviam cerca de 2000 pessoas.
Teorias para esses desaparecimentos misteriosos vão desde abduções em massa, arrebatamento e coisas do tipo, até ataques de criaturas sinistras.


Arqueologia

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Em 1998, Uma investigação arqueológica foi organizada pela East Carolina University. Uma equipe de cientistas e técnicos foi enviada à ilha de Roanoke ou Hatters Island.

Durante as escavações foram encontrados, 80 km distante de onde teria sido estabelecida a colônia: um anel de ouro com sinete inglês (ao lado), um mosquete de pederneira e dois farthings de cobre (moedas inglesas; cada uma valia 1/4 de 1 centavo de dólar), todos objetos identificados e datados como sendo do século XVI (anos de 1500).

Infelizmente, esse achado arqueológico não revela o que aconteceu com eles. O fato é que eles não morreram na colônia. Antes, alguma coisa ou alguém, fez com que três diferentes grupos de pessoas, em três diferentes ocasiões, desaparecessem daquele assentamento, deslocando todos ou, quem sabe, alguns sobreviventes, para outro lugar, longe dali.
Seja qual foi o motivo dos desaparecimentos, para bem ou para mal, continua uma completa incógnita.


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