Projeto Manhattan

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Em 6 de agosto de 1945, Paul Tibbets, piloto de um avião B-29 batizado de Enola Gay, lançou uma bomba atômica contra a cidade japonesa de Hiroshima. Apelidada de "Little Boy", a bomba criou uma explosão com poder de destruição equivalente a 15 mil toneladas de TNT, e destruiu quase todas as edificações em um raio de 1,5 quilômetro do hipocentro da explosão, criando um incêndio de proporções imensas que terminou por engolfar toda a cidade.


Acredita-se que 70 mil moradores tenham morrido imediatamente depois da detonação, mas o número de mortos teria chegado a 100 mil no fim de 1945 e a 200 mil em um prazo de cinco anos, devido aos efeitos da radiação. Três dias mais tarde, em 9 de agosto de 1945, uma segunda bomba foi lançada contra a cidade industrial de Nagasaki. Apelidada de "Fat Man", a segunda bomba causou, inicialmente, 40 mil mortes e 140 mil em um prazo de cinco anos. O Japão se rendeu às forças aliadas em 14 de agosto de 1945, o que encerrou oficialmente a Segunda Guerra Mundial.

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Esta fotografia mostra o primeiro teste da bomba atômica, em 16 de julho de 1945, às 5h30min, em uma posição de teste conhecida como Trinity, no Novo México

O desenvolvimento da bomba atômica, a mais poderosa arma criada pela raça humana, é visto como um dos mais importantes e controversos acontecimentos do século 20. A capacidade aterrorizante da arma para devastar uma cidade inteira e seu simbolismo como fonte de poder deflagraram uma tensa corrida armamentista nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética, depois do fim da guerra.

A guerra moderna havia mudado drasticamente no começo do século passado - aviões, metralhadoras e guerras química e biológica foram apenas alguns dos avanços tecnológicos que causaram devastação generalizada e alteraram as táticas militares. Mas a bomba atômica ia além disso. Algumas pessoas acreditavam que sua existência pudesse pôr fim às guerras, mas outras temiam a possível aniquilação da espécie humana.

Projeto Manhattan é o codinome do plano secreto dos Estados Unidos para desenvolver bombas atômicas para uso bélico e representa a designação mais ampla para as pessoas, locais e recursos envolvidos na pesquisa atômica durante a Segunda Guerra Mundial. Muitas dessas pessoas estavam divididas quanto à decisão de usar a bomba contra o Japão, entre elas alguns dos responsáveis diretos pela construção da arma. Alguns dizem que o projeto reduziu o número de mortes do conflito e pôs fim à Segunda Guerra Mundial, no entanto, outros argumentam que os japoneses teriam se rendido de qualquer maneira.

Como o trabalho foi realizado? Quem esteve envolvido? Por que a empreitada ganhou o nome de Projeto Manhattan? Neste artigo, examinaremos mais atentamente o Projeto Manhattan e a forma pela qual cientistas e militares conseguiram criar a mais poderosa exibição de energia que a Terra já testemunhou.

O motivo do nome

Muita gente acredita que as autoridades deram esse nome ao Projeto Manhattan para confundir os serviços estrangeiros de inteligência. O Projeto Manhattan seria um nome aleatório adotado apenas para distrair os espiões comunistas?
Na verdade, pelo menos 10 locais relacionados aos esforços de desenvolvimento da bomba atômica ficavam em Manhattan, um dos cinco distritos em que se divide a cidade de Nova York. O Corpo de Engenharia do Exército, por meio de seu escritório localizado no número 270 da Broadway, recebeu a ordem de construir uma bomba nuclear e, inicialmente, a sede do projeto ficava nesse edifício. Quando as autoridades decidiram ampliar as fronteiras do projeto a fim de garantir a segurança, o Corpo ainda assim ficou encarregado de construir instalações no Novo México, Tennessee e Estado de Washington, operando de sua sede em Manhattan. Diversos outros locais da cidade de Nova York, entre os quais a Universidade Columbia, operaram como centrais secretas de pesquisa ou postos de armazenagem de urânio.


A Descoberta da fissão nuclear

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Para chegar ao Projeto Manhattan e ao bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, seria útil compreender os avanços conquistados pela Física nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. No período entre 1919 e o começo dos anos 30, os cientistas estavam começando a definir as partes essenciais da estrutura do átomo. Em 1919, na Universidade de Manchester, Inglaterra, o físico Ernest Rutherford, da Nova Zelândia, descobriu os prótons, partículas de carga positiva localizadas no núcleo do átomo, as quais, em companhia dos elétrons, partículas de carga negativa que orbitam em torno do núcleo, formam o átomo.

Havia um problema: os físicos não conseguiam explicar por que diversos elementos apresentavam átomos de pesos diferentes. O mistério só foi resolvido em 1932, quando James Chadwick, um dos colegas de Rutherford, descobriu o nêutron, a terceira partícula subatômica. Sem carga elétrica, os nêutrons dividem com os prótons o espaço do núcleo atômico. Embora o número de prótons e de elétrons seja sempre o mesmo em cada determinado elemento (o carbono, por exemplo, sempre tem 14 prótons e 14 elétrons), o número de nêutrons pode variar. Isso explica por que o peso (ou número de massa) do carbono pode variar ainda que eles sejam de um mesmo elemento. Os átomos de um mesmo elemento, diferentes quanto ao número de massa são conhecidos como isótopos.

Aproximadamente na mesma época, os cientistas começaram a usar aceleradores de partículas a fim de bombardear núcleos atômicos, na esperança de dividir átomos e criar energia. Inicialmente, eles obtiveram sucesso muito limitado - os primeiros acelerados de partículas disparavam prótons e partículas alfa, ambos portadores de carga positiva. Mesmo em alta velocidade, essas partículas eram facilmente repelidas pelos núcleos dotados de carga positiva, e figuras como Rutherford, Albert Einstein e Niels Bohr acreditavam que fosse quase impossível desenvolver uma forma de controlar a força do átomo.

O panorama mudou quando o físico italiano Enrico Fermi concebeu a idéia de usar nêutrons nos bombardeios, em 1934. Como os nêutrons não têm carga elétrica, eles podem atingir sem rejeição o núcleo de um átomo. Ferni bombardeou diversos elementos com sucesso e criou elementos novos, radiativos, como resultado de suas experiências. Fermi, sem que o soubesse, havia descoberto o processo de fissão nuclear. Dois cientistas alemães, Otto Hahn e Fritz Strassmann, foram os primeiros a reconhecer formalmente o processo, em 1938, ao dividirem átomos de urânio em duas ou mais partes, em suas experiências.

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Grânulos de óxido de urânio natural, usado como combustível para a energia nuclear

O urânio, elemento natural mais pesado do planeta, foi utilizado em muitas dessas experiências iniciais, e se tornou tema de grande interesse para a Física, por diversas razões. O urânio é o elemento natural mais pesado, com 93 prótons. O hidrogênio, em contraste, é extremamente leve e só tem 1 próton. O mais interessante quanto ao urânio, porém, não é tanto o número de prótons, nem o número incomumente elevado de nêutrons em seus isótopos. Um isótopo de urânio, o urânio-235, tem 143 nêutrons, e entra em fissão induzida com grande facilidade.

Quando um átomo de urânio se divide, ele essencialmente está perdendo massa. De acordo com a famosa equação de Einstein, E = mc2, onde E representa energia, m é massa e c é a velocidade da luz, matéria pode ser convertida em energia. Quanto mais matéria disponível, mais energia se poderá criar. O urânio é pesado porque tem muitos prótons e nêutrons, de modo que quando se divide em duas ou mais partes, dispõe de mais matéria a perder. Essa perda de massa, por menor que um átomo seja, equivale à criação de um grande volume de energia.

Além disso, nêutrons adicionais se separam dos pedaços de um átomo de urânio dividido. Já que um quilo de urânio contém trilhões de átomos, a probabilidade de que um nêutron desgarrado atinja outro átomo de urânio é muito elevada. Isso chamou a atenção do mundo da Física - uma reação em cadeia controlada poderia criar energia nuclear segura, enquanto uma reação descontrolada teria o potencial de causar devastação.

A ameaça da Alemanha

As informações sobre a fissão nuclear se difundiram rapidamente da Europa para os Estados Unidos e, em 1939, diversos dos principais laboratórios de Física dos EUA, entre os quais o de Ernest Lawrence, no campus da Universidade da Califórnia em Berkeley, estavam testando a possibilidade de gerar energia com urânio.

Ainda que o momento fosse de entusiasmo no campo da Física, a tensão e a incerteza eram intensas. A Segunda Guerra Mundial já havia começado, depois que Hitler subiu ao poder na Alemanha nazista e invadiu a Polônia, em 1° de setembro de 1939. Muita gente temia que os alemães estivessem trabalhando assiduamente no desenvolvimento de uma arma nuclear que, sem dúvida, empregariam contra seus inimigos em tempo de guerra. Físicos importantes como Leo Szilard, Edward Teller e Eugene Wigner, todos europeus que fugiram para os Estados Unidos a fim de escapar da guerra, sentiram a necessidade de alertar o governo norte-americano sobre o risco que surgiria caso a Alemanha desenvolvesse armas nucleares primeiro.

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Albert Einstein e Leo Szilard em 1946, reencenando a assinatura da carta na qual alertavam o presidente Roosevelt de que a Alemanha podia estar construindo uma bomba atômica

Albert Einstein e Szilard ficaram preocupados a ponto de escreverem uma carta ao presidente Franklin Roosevelt, descrevendo a ameaça alemã e a possibilidade de construir armas poderosas com urânio. Depois de consultar o economista Alexander Sachs, Roosevelt decidiu que seria necessário começar as pesquisas sobre energia nuclear e estabeleceu o Comitê Consultivo do Urânio, presidido por Lyman J. Briggs.

Os dois anos seguintes foram marcados pela incerteza, porque ninguém estava certo quanto ao volume de urânio necessário, o custo do projeto de construção das bombas e o tempo disponível para que os EUA concluíssem a construção de uma arma operacional. Além disso, as pesquisas sobre a extração de urânio-235 do minério de urânio não eram conclusivas.

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Vannevar Bush na capa da edição da revista Time de 3 de abril de 1944
O processo se acelerou com a ajuda de Vannevar Bush, presidente da Carnegie Foundation, que foi apontado para a presidência do Comitê Nacional de Pesquisa de Defesa por Roosevelt, na metade de 1940. Bush integrou o Comitê do Urânio à nova organização, o que propiciou mais verbas e mais segurança para os cientistas. O passo seguinte foi dado em 28 de junho de 1941, quando Bush se tornou diretor do Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico.

O Comitê Nacional de Pesquisa de Defesa se tornou um órgão consultivo do Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico, e o Comitê do Urânio passou a ser conhecido como Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico - Seção Urânio, bem como pelo codinome S-1. Vocês estão confusos com todas essas mudanças de nome? O mesmo se aplicava a todos os interessados em compreender o que a Casa Branca estava fazendo com relação ao programa da bomba.

Ainda em julho de 1941, Bush recebeu o impulso que precisava para colocar o projeto em funcionamento real. O Comitê MAUD, versão do Reino Unido para o programa de desenvolvimento de uma arma nuclear, lançou o Relatório MAUD. Embora os recursos da Inglaterra estivessem distendidos em função da situação do país na Segunda Guerra Mundial, as contribuições teóricas dos britânicos para o projeto da bomba foram inestimáveis, e o relatório confirmou para muitos de seus leitores que uma bomba nuclear e o enriquecimento do urânio-235 eram definitivamente possíveis.

Bush estabeleceu diversos grupos de pesquisa, a maioria dos quais em universidades como Berkeley e Colúmbia, e colocou a operação em funcionamento com injeções de verbas ainda mais elevadas - Lawrence, por exemplo, recebeu US$ 400 mil para suas pesquisas sobre eletromagnetismo. O sigilo ainda era uma prioridade crucial, apesar do dinheiro adicional, e os cientistas escolheram locais estranhos de trabalho a fim de esconder seus esforços - muita gente se choca ao descobrir, hoje, que os físicos Enrico Fermi e Arthur Compton usaram o espaço sob as arquibancadas do Stagg Field, o estádio de tênis da Universidade de Chicago, para conduzir a primeira reação nuclear em cadeia, em 1942.

Organização do projeto Manhattan

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Físico nuclear Robert Oppenheimer, à esquerda, com o major-general Leslie Groves, ao lado dos restos de uma torre da qual estava suspensa uma bomba nuclear detonada em teste

Em março de 1942, o Corpo de Engenharia do exército dos Estados Unidos se envolveu diretamente nas reuniões do S-1 e, em 18 de setembro, o coronel Leslie Groves se tornou diretor do projeto, que assumiu oficialmente o nome de Projeto Manhattan. Com formação sólida em engenharia (ele supervisionou a construção do Pentágono), Groves provou ser um administrador muito eficiente e contribuiu imensamente para o sucesso da bomba em um prazo incrivelmente curto.

Ao longo dos 12 meses seguintes, Groves selecionaria diversos locais nos Estados Unidos que contribuiriam para a construção da bomba, entre os quais Oak Ridge, Tennesee (Local X) e Hanford, Washington (Local W). Os dois locais abrigariam imensas instalações de produção de plutônio e urânio. Quando Groves selecionou Robert Oppenheimer, professor de Física teórica em Berkeley, como diretor do Projeto Y, os dois escolheram Los Alamos, no Novo México, como o local que serviria de polo central ao Projeto Manhattan.

Los Alamos, bem como as instalações no Tennessee e no Estado de Washington, era um lugar isolado, selecionado por motivos de segurança, mas seria difícil imaginar que era esse o caso, diante de fotos que mostram essas instalações em plena produção. O desolado altiplano desértico de Los Alamos, por exemplo, foi transformado em uma pequena cidade, com laboratórios, escritórios, refeitórios e alojamentos para todos os envolvidos no projeto. Oppenheimer trabalhou com afinco para reunir os melhores cérebros científicos do país e, por quase três anos, do fim de 1942 ao bombardeio de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, milhares de pessoas trabalharam para superar o desafio envolvido na construção de uma arma atômica.


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Alojamentos simples para os trabalhadores envolvidos no Projeto Manhattan, em Los Alamos, Novo México

A segurança era extremamente rígida em Los Alamos e as pessoas mal recebiam autorização para manter contato com seus familiares e amigos durante a sua estadia no Local Y. Os guardas do complexo eram rigorosos quanto à concessão de licenças de segurança e havia arame farpado em torno de todo o complexo. O Projeto Manhattan estava envolto em tamanho segredo que algumas pessoas nem sabiam para que serviria o trabalho em que estavam envolvidas, até que surgiu a notícia sobre a bomba que explodiu em Hiroshima.

Dois tipos de bombas nucleares foram projetados em Los Alamos: uma bomba de implosão e uma bomba de disparo. Depois que importantes aperfeiçoamentos foram realizados no implosivo, os especialistas enfim selecionaram um local para o teste da primeira bomba atômica - Alamogordo, um campo de provas de explosivos no deserto, a 340 quilômetros ao sul de Los Alamos. O local recebeu o codinome "Trinity", para o teste de uma bomba de plutônio. Oppenheimer teria supostamente recordado um poema de John Donne que dizia "abalai meu coração, ó Deus trino", e considerou que a comparação procedia. Às 5h30min do dia 16 de junho de 1945, a bomba foi acionada, com uma detonação avassaladora que cegou temporariamente diversos dos cientistas que estavam observando o teste: a Era Atômica havia começado.

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Dirigentes do Projeto Manhattan, entre os quais o Dr. Robert Oppenheimer (de chapéu branco) e o general Leslie Groves, inspecionam o local do teste atônico Trinity

Menos de um mês mais tarde, os EUA usariam a bomba de implosão e a bomba de disparo, que não havia sido testada, a fim de coagir os japoneses a se render. Ainda que a bomba tenha teoricamente encerrado o conflito no exterior e evitado a necessidade de combater em terra no Japão, sua existência deflagrou uma corrida armamentista nuclear que mudaria radicalmente o mundo na segunda metade do século 20.


Fonte(s): howstuffworks