Conto: O velho caça-fantasmas

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Quando eu estava na faculdade, o conselho estudantil de atividades do campus, contratou um famoso caçador de fantasmas para fazer uma palestra na nossa faculdade. Eu sempre amei o paranormal, então eu deixei meu namorado cético trás em seu dormitório e fui correndo em direção ao auditório.


O caçador de fantasmas era alguém que eu nunca tinha ouvido falar, mas ele tinha uma produção impressionante, e parecia ter vários projetos em andamento no momento. (Isso foi em 2005, eu acho que ele realmente pode ter um programa de TV agora.) Ele era um homem de baixa estatura, com um pequeno bigode branco de professor, e cabeça calva; mas a maneira como ele falava sobre a vida após a morte era fascinante. Você poderia dizer que ele realmente acreditava no que ele dizia ter visto - ou isso, ou ele era um inferno de um vendedor. Ele tinha nos prendido a atenção com cada palavra.

Vimos alguns vídeos interessantes de suas investigações. Ele tinha uma bela coleção de fotos e histórias assustadoras, eu me lembro de uma sobre uma boneca assombrada, que ele disse mover-se livremente ao redor da sala de uma pessoa que a havia comprado em um mercado de pulgas. E não andava apenas quando ninguém estava por perto para testemunhá-la!

No final, ele ficou disponível para perguntas. Houveram várias das típicas perguntas idiotas dos garotos de faculdade - "Você já viu alguém girar a cabeça que nem no 'O Exorcista'?", Coisas assim - e algumas que eram realmente muito interessantes. Eu decidi que eu não ia deixar passar esta oportunidade de falar com alguém aparentemente tão reverenciado no campo do sobrenatural, então eu levantei a minha mão.

O caçador de fantasmas me viu, apontou-me e sorriu.

"Sim, você, a menina de camisa branca"

"Sim, oi", eu disse, e eu sei que parecia nervosa, e eu me senti tão idiota por soar tão nervosa. "Eu só estava me perguntando - qual foi a coisa mais assustadora que você pode se lembrar de sua carreira como um caçador de fantasmas?"

Eu estava a meio caminho de volta, no auditório, a uma boa distância do palco, mas eu vi o seu rosto mudar. Eu sei que foi minha culpa.

"Bem", ele disse, forçando uma risada apertada (foi forçada, eu sei que foi), "há tantos momentos assustadores para recordar, pois eles tendem a aparecer muitas vezes quando você está no meu ramo de trabalho ... "

Isso tirou risadas da platéia. De repente me senti muito estúpida de ter feito essa pergunta na frente de todos.

Ele começou então a contar uma história sobre uma perseguição à um poltergeist, em uma escola primária abandonada e sua lanterna falhando. Lembro-me, porque isso realmente não me pareceu muito assustador; pelo menos, não parecia ser para alguém que caça fantasmas para viver.

Ele contou a história e respondeu mais algumas perguntas. Ele não olhou mais para o meu rumo.

Quando acabou e todos começaram a ir embora, eu decidi não ficar presa na multidão de estudantes que saíam pela porta da frente. Sentindo-se um pouco abatida, como se eu tivesse feito algo de errado, eu sai calmamente para fora, usando a saída do teatro, e dirigi-me para o meu dormitório.

O caçador de fantasmas estava sentado do lado de fora, em um banco perto dos bicicletários, fumando um cigarro. Eu abaixei minha cabeça e tentei passar sem que ele percebesse.

"Ei, garota." Ele deu outra tragada e esmagou o cigarro no banco de cimento ao lado dele.

"Olha, eu sinto muito", Eu me lembro de hesitar, sentindo-me como uma menininha estúpida, "Eu sei que a minha pergunta foi idiota, eu não estava tentando tirar sarro de você ou qualquer coisa do tipo-"

Ele balançou a cabeça e tirou as cinzas do banco. Ele deu um tapinha no espaço ao lado dele, convidando-me a sentar-se.

Eu hesitei - ele era um desconhecido, e se ele quisesse fazer algo estranho comigo, assim como eles nos alertavam na introdução às aulas da universidade? - mas mesmo assim sentei-me, mantendo uma distância segura entre nós. Ele era velho, eu era jovem, eu provavelmente poderia superar o cara. Ou, quem sabe, não haveria perigo nenhum, eu que era estúpida.

"Eu não quis dizer a verdade", disse o caçador de fantasmas. Seu rosto parecia muito mais velho de perto, as rugas mais profundas. A aura de vendedor confiante havia desaparecido em seu semblante, deixando para trás um homem de 60 anos que tinha visto claramente um monte de coisas. "Aquela história que eu contei, não foi o momento mais assustador da minha carreira."

"Eu sei," Eu me lembro de dizer. Ele balançou a cabeça, como se ele soubesse que eu havia notado.

"Este foi o momento mais assustador da minha carreira", disse ele, e então começou a me contar.

***


Foi na década de 1970, eu era um homem muito mais jovem, eu ainda não tinha alcançado o sucesso na indústria paranormal, e era deixado para pegar as migalhas que os profissionais não queriam. Normalmente, eram esquizofrênicos cujas mentes os engava, fazendo-os acreditar que haviam fantasmas perseguindo-os, ou então eram crianças fazendo brincadeiras com membros crédulos e preocupados do bairro.

  Quando recebi aquela chamada eu fiquei em êxtase. O que o cliente estava descrevendo parecia ser uma assombração demoníaca, com manifestações físicas, possessão, e várias testemunhas. Era a brecha que eu estava procurando. Era o que eu precisava para dar uma guinada na carreira.

O único detalhe que realmente me preocupou foi que seu filho adolescente, a pessoa que alegou estar sofrendo de possessão, tornou-se violento com os membros de sua família. Até recentemente, ele só se comportava de forma estranha, temperamental. Uma semana antes, ele havia tentado estuprar sua prima mais velha.

Ela estava abalada, mas felizmente ilesa. A família mandou-a para viver em outro lugar até que tudo fosse resolvido.

Portanto, quando eu fui para a sua casa, fiz questão de chegar totalmente preparado. Eu levei água benta, crucifixos, sálvia, e - apenas por medida de segurança - uma pequena arma carregada. Eu sabia que não ia chegar a esse ponto, mas algo no tom frenético da mãe ao telefone, me disse que seria uma boa ideia.

Eu gostaria de poder dizer que a visita em si foi emocionante. Infelizmente, desde o momento que entrei na garagem da bela casa vitoriana remodelada, toda a atividade pareceu parar - se é que ela havia começado algum dia.

Eu passei duas semanas investigando a casa. Eu usei equipamentos considerados tecnologicamente muito avançados para a época. Estudei ondas eletromagnéticas. Eu entrevistei o filho cuja família alegou estar possuído, quando na verdade ele apenas parecia estar deprimido, talvez psicologicamente perturbado.

Eu recomendei um terapeuta, um psicólogo infantil de renome, que ficou famoso por seu trabalho com jovens violentos. No meu último dia na casa, eles o levaram até a cidade para receber tratamento; então os pais voltaram, pouco antes da meia-noite, retirando-se cansados para seu quarto, e deixando-me sozinho na cozinha para passar a limpo as minhas descobertas.

Não havia nada a ser dito, e eu sabia disso. Tudo o que eles haviam descrito poderia ser interpretado como histeria de uma família que não podia admitir que seu filho estava em desesperada necessidade de atenção médica. Tudo, isto é, com exceção dos drenos no chão do porão.

Ao visitar a casa, eu fiquei impressionado com a forma como estava tão bem conservada; ela era claramente datada do início de 1900 e estava em estado impecável. O trabalho na madeira e o caráter da casa estava cuidadosamente preservado, uma vez que foram dadas as atualizações necessárias, como o encanamento moderno e eletricidade. O porão era a única área que parecia parada no tempo.

As paredes eram de uma pedra úmida, que estava propensa a coleta de umidade, deixando-o incapaz de armazenar qualquer coisa vulnerável às aranhas ou mofo. A família havia deixado-o vazio por essa razão e, embora certamente era um local muito assustador para eu ter ficado muito tempo - ainda mais sem janelas, com uma única lâmpada suspensa, e seus pisos de cimento enormes - eu nunca percebi nada de anormal nesta área.

No entanto, havia uma coisa que eu não conseguia entender. Dado o tempo aproximado que a casa tinha sido construída, e sua presença em um bairro residencial, simplesmente eu não compreendia a serventia das quatro grandes fendas dos drenos situados no chão de concreto frio.

Enquanto eu estava sentado sozinho na cozinha, debruçado sobre minhas descobertas escassas, tentando encontrar significado em todas estas palavras, eu ouvi alguma coisa.

Foi apenas um pequeno som, primeiramente, e então eu ignorei. Mas, então, veio de novo, desta vez mais alto.

Tinha uma escada em espiral íngreme, que levava ao segundo andar, subindo a partir do canto da pequena cozinha, e foi de onde o barulho parecia estar vindo. Supondo que ele era simplesmente um dos proprietários inquieto, depois de deixar seu filho em uma instituição de tratamento mental, eu olhei para cima.

Foi então que eu vi aquilo descendo as escadas. Eu não diria andando, porque esse não era o caso. Aquilo estava apenas ... flutuando também não é a palavra correta. Estava apenas vindo. Descendo as escadas, diretamente para mim.

Ele não tinha olhos. Ele não tinha rosto. Mas mesmo assim, de alguma forma eu sabia que estava olhando para mim, diretamente para mim, nas profundezas da minha alma.

Então, ele falou.

Eu não tenho certeza como ele falou - Eu não acho que eu realmente tenha ouvido nada, então talvez tenha usado algum tipo de telepatia. De qualquer maneira, eu posso recordar as palavras exatamente, até hoje:

"Você sabe o que ele fez conosco."

Eu não raciocinei. Eu não podia. Eu apenas corri.

Derrubei uma cadeira enquanto eu fugia, espalhando papéis em toda a cozinha, os quais alegavam que aquela casa não estava realmente assombrada, que era apenas alucinações de um menino muito doente.

Deixei-os lá. Você sabe o quão terrível que é isso? Deixei as pessoas naquela casa, com aquela coisa. Eu não parei de dirigir por 40 quilômetros, pelo amor de Deus. Quando eu percebi o quanto eu tinha ido longe, eu finalmente parei e liguei para a família de um telefone público. Eles foram a última coisa que eu pensei quando eu vi aquilo, tudo o que eu podia fazer era responder ao profundo instinto animal de fugir, correr para fora daquela casa supostamente segura, com o rabo entre as pernas.

Eles se mudaram, eu acho. Eu era incapaz de continuar a minha investigação. Ao escrever, citei insuficiência de provas, mas eu sabia que era covardia.

Eu acredito que a casa foi demolida alguns anos mais tarde.

Eu acabei fazendo a minha própria investigação. A curiosidade corroeu-me com dentes de ratos pequenos e viciosos, com passar do tempo. A acusação ainda soava fresco em meus ouvidos:

"Você sabe o que ele fez conosco."

E, finalmente, sim, eu descobri.

Recortes de jornais antigos não faziam total sentido, não necessariamente; mas eu era capaz de reconstituir algum significado dos trechos amarelados. Em algum momento por volta da virada do século, a casa tinha sido residência de um agente funerário muito respeitado. Incapaz de encontrar um edifício na cidade para atender às suas necessidades, ele construiu sua própria casa/escritório. Foi uma grande façanha de arquitetura e um exemplo brilhante de um verdadeiro empreendedor, um homem perseguindo o sonho americano de montar o seu próprio negócio.

No andar de cima, o quarto. No nível médio, a funerária. No subsolo, o necrotério.

Eu descobri para que os drenos serviam.

Separadamente, décadas mais tarde, um outro membro bem respeitado da comunidade local foi preso sob a suspeita de "abuso de sua posição profissional" com "causa moral". O jornal não deu mais detalhes, provavelmente devido à natureza sensível dos crimes, mas a punição foi pequena. Depois de uma breve estadia na cadeia local, o perpetrador tirou de sua casa todas as suas coisas e deixou a cidade antes do julgamento, para nunca mais ser visto novamente.

Não demorou muito para adivinhar a conexão. Acho que eu não sei ao certo, mas as palavras que aquela coisa disse, ainda ecoam na minha cabeça até hoje:

"Você sabe o que ele fez conosco."

Havia uma razão para o agente funerário sentir um desejo tão forte de construir uma casa que contivesse o seu negócio, era para "satisfazer suas necessidades".

As coisas que foram feitas para aqueles corpos no porão eram indescritíveis. Mas sim, eu sei. Eu sei o que ele fez com eles.

E é por isso, ficando cara a cara com a verdadeira natureza do homem em seus lugares mais escuros, que o encontro com essa coisa sem rosto foi o momento mais assustador da minha carreira.

Porque agora eu sei.

***


Ainda me lembro de sua expressão, a forma como toda a cor sumiu de sua pele enquanto ele contava, os cabelos brancos de sua barba mal se distinguiam de sua pele pálida. Seus ombros estavam caídos. A forma como a sua voz tremia.

Pedi desculpas. Ele me dispensou e foi embora.

Eu me senti péssima, eu ainda me sinto terrível por fazê-lo reviver aquele momento. Mas, como eu cresci, as atividades do campus foram substituídas por contas e pela minha carreira. O caçador de fantasmas foi desaparecendo da minha mente pouco a pouco. Até a semana passada, quando fui morar com meu noivo. Mais exatamente quando eu tirei as caixas do porão, apesar de suas advertências de aranhas e mofo.

Havia uma grande fenda de dreno no centro do porão.

E eu estou tão preocupada, tão assustada, sobre o que poderia ser.