Conto: "Ele"

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O sono. Como é bom poder dormir depois de um dia inteiro de tarefas e afazeres do cotidiano. Mas e se nessa hora tão sagrada, for o momento em que algo desconhecido escolheu para buscar as suas vítimas?

Alguns anos atrás, houve relatos sobre homens no Sul da Ásia que eram de famílias imigrantes e que morreram durante um pesadelo, sem que houvesse conexão alguma entre eles.Wes Craven se inspirou nesses casos para criar o filme “A Hora do Pesadelo”. Você já deve ter visto, aquele do Freddy Krueger. Uma dessas vítimas era o filho de um físico. Ele tinha 21 anos. Foi considerado um fenômeno no Laos, Camboja. Todos da família falavam para ele a mesma coisa: “Você deve dormir”. Ele respondia: “Não, vocês não entendem. Sempre tive pesadelos, mas este é diferente”. Ele não queria dormir, nem com pílulas. Passaram-se seis, sete dias. Finalmente, ele estava assistindo televisão e acabou cochilando no sofá, e seus familiares disseram: “Graças a Deus.” Eles o carregaram literalmente para a cama, completamente exausto. Todo mundo foi para a cama pensando que os problemas tinham terminado. No meio da noite, eles foram acordados com gritos e um barulho. Correram para o quarto, mas quando chegaram lá ele já estava morto. Uma autópsia foi realizada e não houve constatação de ataque cardíaco; ele simplesmente morreu de causas inexplicadas. Em seu guarda-roupa, havia uma garrafa com café quente, usada para se manter acordado, e várias pílulas para dormir que a família acreditava que ele costumava tomar. Foi uma história dramática e incrível, que intrigou a região por cerca de um ano.

Você se pergunta o que isso tem a ver com a minha história, e como é que eu sei do caso desse rapaz. A resposta é simples: É porque eu pesquisei sobre o assunto, e acabei conhecendo histórias como essa. Elas são verdadeiras, se você quiser é só procurar também, mas pelo seu bem, eu não recomendo. E quanto a mim, eu vou contar o porquê do meu interesse em pesquisar tal assunto.

Eu não sei ao certo o porquê de isso ter acontecido comigo. Não tive nem ao menos sinais de que aconteceria, um prelúdio sequer. Talvez fosse minha falta de apego com algum tipo de fé, talvez fosse o meu demasiado interesse pelo oculto e o sobrenatural, sempre assistindo a filmes de terror, lendo contos assustadores, acessando a sites com fotos de acidentes e coisas macabras do tipo. Em minha ingenuidade isso era apenas um modo de despertar aquela emoção... aquela adrenalina... se você está lendo isso, certamente sabe do que estou falando. Oh, meu Deus, como eu queria poder voltar no tempo e ter feito outras escolhas, ter sido outro tipo de pessoa. Vou lhes contar agora, o que está acontecendo comigo para que talvez não cometam o mesmo erro que eu, e que façam as escolhas certas e valorizem a vida que possuem.

Tudo começou em um dia comum como qualquer outro, nada de anormal que eu me lembre. O dia correu bem, a rotina de sempre de quem acabou de se formar no terceiro ano do segundo grau e ainda não sabe que faculdade cursar: Acordar tarde, sair com os amigos, voltar tarde em casa, conferir as redes sociais, ver um filminho de terror, talvez...

Já passavam das 2 da manhã, eu estava decidido a ir dormir imediatamente, eu precisava parar de acordar tão tarde. Deitei-me na cama, demorou para pegar no sono, rolei de um lado para o outro. Então acabei adormecendo. Não me lembro do começo do sonho que tive, só do final; isso não tem como esquecer, foi aí que conheci “ele”. Eu chamo de “ele” pois não sei o seu nome, e nem suspeito que tipo de coisa ele seja. Talvez eu nem tenha tempo suficiente para por ventura vir a descobrir.

Eu só me lembro de estar no sonho em uma casa estranha, ela parecia uma casa de um duque ou algum tipo de nobre, pois o seu aspecto me remetia a isso. O detalhe mais estranho era o teto, parecia ser muito alto, como se tivesse uns 20 metros ou mais. Havia um candelabro antigo acima de mim, estava balançando e eu senti medo de que caísse em mim, então resolvi sair de lá. Saindo, fui para outra sala menor, foi quando tive o choque. Lá estava no canto de cima da parede da sala, aquela sombra negra se balançando, como se fosse um lençol ao vento. Eu senti um medo terrível, e a coisa veio para cima de mim em minha direção e cravou-se em minhas costelas. Veio uma dor aguda, então acordei imediatamente gritando e sentindo aquela dor terrível. Eu ainda sentia um medo incontrolável, como eu nunca havia sentido antes, um desespero, uma vontade de fugir do mundo. Não dá para explicar como é sentir isso com palavras.

Eu gostava de dormir em completa escuridão, sem enxergar quase nada. Aquela foi a última noite assim. Algo me fez olhar para cima, foi então que percebi que o pesadelo não havia acabado. Lá estava, no canto de cima da parede do meu quarto, aquele “pano negro” horrível dançando como a sombra de um lençol ao vento.

Eu só me lembro de gritar e sair correndo do meu quarto. No meu desespero acabei me machucando na maçaneta da porta do quarto, na tentativa de escapar. Meus pais acordaram assustados pensando que havia algum assaltante na casa. Eles me deram água com açúcar, a única explicação que eu consegui dar para eles é que havia sido um pesadelo. Eles culparam os filmes de terror que eu vivia assistindo.

No dia seguinte, eu já havia posto em minha cabeça que tudo não tinha passado de um pesadelo, que eu havia me impressionado com algum filme e sonhado com aquilo, mas, mesmo assim, dessa vez deixei a luz do abajur acesa. A quem eu queria enganar?

Chegando novamente a hora de dormir eu sentia um nó na garganta, um pressentimento péssimo como se eu fosse um presidiário na fila da execução. Mas mesmo assim, tentei espantar esses pensamentos negativos que pairavam em minha mente. Horas rolando na cama e finalmente uma hora eu consegui adormecer.

Lá estava eu, em um lugar diferente dessa vez, uma floresta. Era noite, eu estava fugindo de alguma coisa, queria ir para casa mas sempre errava o caminho. Quando de repente, encontrei uma cabana e decidi entrar para ver se alguém lá poderia me ajudar a encontrar o caminho correto para casa.

Entrei, e olhei para cima, na parede. Lá estava ele, sem uma forma certa, apenas aquela aparência grotesca, negra, dançando. Aquilo me paralisou, então novamente ele veio para cima de mim, eu me lembro de ter gritado no sonho, de me sentir sendo sufocado. Acordei sem ar, mas infelizmente eu estava tendo aquela terrível experiência de paralisia do sono, droga. Eu só podia mover os olhos, e isso foi o suficiente para ver “ele” no teto do meu quarto, bem acima de mim, pronto para me pegar.

Não sei de onde reuni forças para “realmente acordar”. Saí correndo de meu quarto com o corpo formigando, havia alguma coisa estranha com a minha garganta, algo entalado me sufocando. Eu comecei a tossir desesperadamente, espirrava sangue na calça clara do meu pijama. Foi quando saiu de minha garganta uma massa negra, parecia um trapo misturado com petróleo. Naquela hora eu soube que se eu dormisse, aquilo ia aparecer de novo e me matar. Droga, por que eu? Por quê? Joguei a coisa que eu havia regurgitado dentro da privada e dei descarga, depois fui até a sala. Fiquei sentado no sofá da sala até que amanheceu e todos da minha casa já estavam de pé. Eu não sabia mais o que fazer, nem para quem pedir ajuda. Sei que meus pais não acreditariam em mim, no máximo iriam me mandar para um analista. Foi então que decidir pesquisar se havia acontecido algo parecido com mais alguém, e qual a solução para isso. Eu passei o dia inteiro pesquisando, passei pela biblioteca municipal, procurei em sebos, pesquisei na internet, mas o que eu ia descobrindo só me preocupava mais. Todos os casos parecidos que constatei, ninguém havia sobrevivido. Seria eu mais um deles?

Tudo que eu tinha a fazer agora era tentar a última solução: rezar, talvez seja essa a minha única salvação.

Nesse mesmo dia, evitei dormir, passei a noite em claro assistindo a filmes de comédia e tudo mais que me fizesse esquecer de tudo aquilo. Pensei que talvez assim, passando uns dias sem “comparecer” aos meus pesadelos, ele pudesse desistir de mim. Engano meu. À tarde meus amigos me chamaram para uma festa na piscina: Churrasco, bebida, diversão, sabe como que é. Chegou à noite meu corpo já apresentava sinais de desgaste em virtude do dia agitado.

Estava sentado na minha poltrona, jogando videogame, e sem perceber, acabei cochilando sentado. Só percebi o meu erro quando acordei do pesadelo e “ele” estava atrás da TV, me observando, pronto para me pegar. Eu gritei e saí correndo de lá.

Eu precisava fazer alguma coisa quanto a isso. Comecei a tomar café em pó, eu tomava tanto que me provocava fortes dores de cabeça. Passei em uma loja de conveniência e comprei várias latas de energético. Comecei a me entupir dessas coisas.

O terceiro dia acordado foi muito difícil, estava quase insuportável ficar acordado, eu nunca fiz isso antes, é demais para uma pessoa comum suportar. Agora entendo o porquê daquele tipo de tortura, a “privação do sono”, isso é horrível.

Chegando a madrugada, eu estava quase entregando os pontos, mas a ideia de dormir me parecia pior. Sentir de novo o medo que “ele” me fazia sentir, era inconcebível, não era um medo normal. A ideia de me suicidar já havia me passado duas ou três vezes pela cabeça naquela madrugada. Talvez fosse melhor morrer pelas minhas próprias mãos, eu sentiria menos medo assim.

Sei que não posso contar com mais ninguém, pois assim como o rapaz da história que contei no começo, ninguém acreditaria em mim, minha família já estava notando meu comportamento estranho e irritadiço, chegaram até a me questionar se eu estava usando drogas. Decidi então, sentar na frente de meu computador e escrever o que está acontecendo comigo. Vou postar isso em algum lugar, para que alguém veja e talvez possa me ajudar antes que seja tarde. Torço para que eu consiga passar mais essa noite em claro, então amanhã escreverei mais uma vez relatando como foi o meu dia. Se eu não for forte o suficiente, pelo menos isso servirá de alguma forma como uma ajuda para outras pessoas que possam vir a passar pela mesma experiência. Só uma coisa, cuidado com a sombra na parede, não olhe para ela, só isso que te peço.

por: Fernando Bonvento